Instituído em julho de 2013 pelo governo brasileiro, o Programa Mais Médicos surgiu como uma resposta emergencial à carência de profissionais nas regiões mais remotas e vulneráveis do país. Com o objetivo de fortalecer a atenção básica e democratizar o acesso ao sistema de saúde, o programa tem como referência os índices da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE. Porém, dez anos após a criação do Mais Médicos, quase 80% dos municípios brasileiros não possuem sequer dois profissionais para cada mil habitantes.
Os dados são do Painel da Educação Médica, plataforma desenvolvida pela Associação dos Mantenedores Independentes Educadores do Ensino Superior – AMIES – em parceria com o portal Melhores Escolas Médicas – MEM. A análise considera todos os 5.359 municípios que dispõem de pelo menos um médico. Deste universo, 4.211 (78,58%) possuem até 1,7 médico por mil habitantes, menor índice registrado pelos países da OCDE em 2012, um ano antes da implementação do programa Mais Médicos. Por outro lado, apenas 149 cidades brasileiras (2,78%) registram mais de 3,73 médicos a cada mil habitantes e estão dentro da média dos países da OCDE em 2023.
O Painel da Educação Médica mostra que as realidades são muito distintas entre os municípios. Vão desde a cidade de Colares, no estado do Pará, com 12.868 moradores e 0,03 médico para cada mil habitantes, à Faxinal do Soturno, no Rio Grande do Sul, que possui uma população de 6.702 pessoas – 52% menor que a de Colares – e uma média 12,24 médicos por mil habitantes.
A análise dos dados por regiões também evidencia a disparidade. O Sul (2,98 médicos/mil habitantes), o Sudeste (2,97) e o Centro-Oeste (2,75) já atingiram o objetivo do Mais Médicos, que é chegar a 2,65 por mil habitantes brasileiros em 2026. Contudo, o Nordeste (1,87 médicos/mil habitantes) e o Norte (1,62) estão longe de atingir a meta do programa e, sobretudo, a média da OCDE, que no ano passado já era de 3,7 médicos/mil habitantes.
É PRECISO FORMAR MÉDICOS
Apesar de o Mais Médicos propor a reorganização da oferta de novas vagas de graduação e residência médica na estratégia de qualificar a formação dos profissionais e levá-los para as regiões onde há maior carência, as dificuldades impostas para a abertura de novas vagas de graduação em Medicina contribuem para que o Brasil permaneça com uma média aquém da registrada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
“O programa Mais Médicos registra várias postergações que fizeram com que alguns cursos fossem iniciados com atraso. Isso impacta no número de profissionais formados nos últimos dez anos e decorre da disputa judicial por abertura ou bloqueio de vagas”, afirma Alcindo Ferla, médico, doutor em Educação e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.
Segundo Ferla, um dos argumentos mais frequentes para o indeferimento de novas vagas e cursos de Medicina é a ausência de leitos hospitalares para a formação dos novos profissionais. “Isso é um paradoxo, pois a falta de leitos não é um problema do sistema educacional, mas do sistema de saúde. Ou seja, o sistema que diz que não há leitos é o mesmo que deveria ser responsável por implementá-los”, pondera.
O professor da UFRGS avalia o argumento da falta de leitos como precário e obsoleto. “Ele vem sendo utilizado há cerca de 40 anos, como representação de um sistema de saúde que evoluiu muito desde então. Há outros serviços que são mais relevantes para formar competências, como o mecanismo de internação domiciliar, que é muito mais confortável para os pacientes e não se dá por dentro de um hospital”, exemplifica.
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